Os olhos de Monalisa
Em seus últimos dias de vida, o multifacetado Leonardo da Vinci decide sintetizar artisticamente a dimensão da complexa natureza humana valendo-se de sua obra mais particular, mais cara: a "Mona Lisa". Em uma corajosa atitude para a época, Leonardo se permite um passo adiante em sua homossexualidade e, não obstante, a "Mona Lisa" vem a se revelar andrógina, produto do HOMO UNIVERSALIS, um ser humano perfeito. Em outras palavras, a identidade de Lisa é jovem (segundo a versão “de Isleworth”, atualmente em coleção privada) e madura (versão do Louvre, Paris), como também é masculina e feminina (versão do Louvre): é a humanidade em uma só pessoa.
Não é à toa que, segundo uma controversa proposta defendida pelo Dr.Silvano Vinceti (um dos maiores especialistas em Leonardo) em 2010, o artista ainda teria homenageado seu jovem amante, Giacomo “Salai" Caprotti, inserindo discretamente a inicial S (de “Salai") no olho esquerdo da “Gioconda" (Louvre). No outro, coloca o L para si mesmo, Leonardo. Assim, a união entre mestre e aluno estaria para sempre selada na eternidade do olhar da enigmática senhora, a própria síntese do Renascimento - pelo menos, assim defende Vinceti.
Entretanto, uma alternativa menos polêmica também foi apresentada pela estudiosa espanhola Dolores García Ruiz ao afirmar que, na verdade, o L seria uma abreviação para o termo italiano “lascia", e S, para "sinistra". A conclusão da autora se baseia em uma das anotações de Leonardo a respeito de Ótica, e como todos deveriam admirar uma pintura, segundo o próprio mestre: "cubra o olho esquerdo (“sinistra’), e se deixe levar ("lascia") pelo direito”.
Seja como for, estudos que recentemente conduzi conseguiram identificar alguns sinais obscuros na versão mais jovem (Isleworth), e que indicam que a versão do Louvre não teria siso apenas a única contemplada pela presença destas duas letras, detalhe curioso que a une diretamente à célebre "Mona Lisa" parisiense. E, sim, há boas razões para considerar o evento como não sendo mera coincidência:
1) As letras L e S encontram-se, respectivamente, em cada olho nas duas versões (direita - L e esquerda – S);
2) Para cada caso, ambas as letras estão exatamente na MESMA REGIÃO em ambos os olhos, e em posição angular semelhante: o que revela um padrão intencional estético;
3) Além disso, se tudo fosse apenas coincidência, a letra S também apareceria no olho esquerdo, assim como o L no olho direito, no mesmo ângulo (e em forma de espelho) - dada a simetria orgânica que existe em cada par de olhos... mas, definitivamente, não é o que vemos ocorrer.
Seja como for, fato é que, agora, a reluzente “Isleworth” estará ainda mais próxima de sua versão mais famosa, já que também cúmplice desta; ambas ligadas por uma mente tão genial quanto audaciosa, tão enigmática quanto eterna.
Átila Soares da Costa Filho é designer e pós-graduado em História, Filosofia, Sociologia, Antropologia, História da Arte, Arqueologia e Patrimônio. Faz parte do comitê científico da Mona Lisa Foundation (Zurique), Fondazione Leonardo da Vinci (Milão) e do projeto L’Invisibile nell’Arte (Roma).
Nos olhos da “Mona Lisa de Isleworth”(1503): versão mais jovem da clássica “Gioconda” - como tal, a presença das duas iniciais