Figura oculta na Mona Lisa poderia ser a própria “assinatura” do gênio
Por Átila Soares da Costa Filho
(IMAGEM: Shutterstock)
Se as suspeitas do pesquisador brasileiro Átila Soares da Costa Filho estiverem corretas, a célebre “Mona Lisa" - ou “Gioconda" - deverá guardar mais um dentre tantos segredos e curiosidades que fizeram da mesma a obra de arte mais enigmática da História. O "código" seria a representação da cabeça de um leão-robô, estrategicamente fundida na paisagem montanhosa que circunda Lisa Gherardini, a modelo para a obra-prima, hoje no Louvre em Paris. Mas, qual seria o intuito por parte de Leonardo em inserir um leão mecânico no retrato mais famoso do mundo?
A presença de uma referência leonina, por si só, já serviria como assinatura para o artista, segundo Átila, já que a “Mona Lisa” não é assinada. De fato, “Leonardo" significa "forte como o leão", onde “leão” = "leo" - sendo “leo” também um diminutivo de “Leonardo". Além disto, o felino tinha o mesmo nome de pontificado de um importantíssimo cliente seu,
Giovanni di Lorenzo de Médici - o Papa Leão X – que, como veremos, terá uma participação crucial em um dos projetos de Da Vinci à época... e justamente sobre um leão mecânico. Vejamos:
Segundo Átila, especialista em Arte e Tecnologia, Patrimônio e História da Arte, a “Gioconda" foi levada da Itália à França pelo próprio criador quando convidado pelo rei Francisco I para ingressar como um “faz-tudo de luxo” naquela corte. Daí, a pintura, executada por Leonardo até 1517, teria sido comprada por Francisco e mantida em Fontainebleau - mais tarde, no Palácio de Versalhes. O que ocorre é que, antes, em 1515, o Papa Leão X comissionara ao artista um leão robótico no intuito de presentear Francisco para promover a recente aliança entre França e Florença; assim como para receber o rei na sua entrada triunfal em Lyon no mesmo ano. As festividades foram ali organizadas pela colônia florentina local de comerciantes e banqueiros – daí, também, a razão do leão, já que símbolo de Florença (o “Marzocco"), e cidade natal de Leão X.
Seria esta a segunda vez (de três) em que Da Vinci produziria um leão mecânico para um rei francês. Capaz de se locomover sozinho, o leão-robô trazia uma surpresa-extra: avançando solenemente diante do monarca, depois de açoitado três vezes pelo mesmo, se
acionaria um mecanismo de abertura do peito do leão, do qual cairá uma cascata de lírios a formar um tapete, símbolo do Reino francês, assim como decoração do brasão de armas da República florentina. Fortemente impressionado com a inventividade de Leonardo, Francisco I o convida para a corte em caráter definitivo. Mesmo com o próprio Michelangelo tendo escrito sobre o insólito projeto, e tido o célebre biógrafo Giorgio Vasari como testemunha, quem melhor nos deixou informações foi o cronista e pintor Giovanni Paolo Lomazzo que, em 1584, fala do autômato como um “artifício admirável”, ressaltando a capacidade de Leonardo de ensinar a maneira de fazer “os leões andarem com a força das rodas”. Estas informações lhe foram passadas a partir dos comentários de Francesco Melzi, aprendiz e companheiro do gênio toscano até sua morte em 1519.
Na opinião de Átila Soares, incluir este feito (ainda que de forma sutil) à “Mona Lisa" teria sido também uma forma de eternizar sua mais recente criação tecnológica numa fase bem “royale” da carreira. O pesquisador também informa que, em 2011, o artista americano Ron Piccirillo publicara sobre a presença da mesma cabeça leonina - juntamente com a de mais alguns animais -, entretanto, em contexto mais filosófico e moral. Para Piccirillo, o leão
(assim como os outros bichos que alega ter identificado) seria uma referência a textos de Leonardo sobre a inveja - nada a ver com a representação de um felino robótico papal, como defende Átila.
Para sustentar a teoria, este último afirma que "a imagem comparativa fala por si”, ou seja, que a cabeça na paisagem é assombrosamente similar à reconstrução em metal, madeira e corda do “leão autômato”, realizado pela equipe de Mario Taddei, diretor científico do Museu Leonardo3 de Milão. Mas, a questão principal é: Em até que ponto seria acurada tal “recuperação" feita por Taddei em 2019, segundo os cânones artísticos do mestre? Na verdade, o que sua equipe realizou foi uma revisão sobre as tentativas anteriores de se trazer o mecanismo de volta à vida - incluindo, obviamente, o que deveria ter sido o respectivo design. E, para tal, necessitou-se de uma análise sobre todas as representações conhecidas de leões executadas por Da Vinci – o que é a medida mais basilar possível diante de um desafio como tal.
Por sua vez, a cabeça na pintura também guarda forte semelhança com alguns esboços leoninos que Leonardo desenhou entre 1508 e 1510 (conservados no “Codex Atlanticus" ou Windsor). Percebam que a data bate perfeitamente com aquela da comissão do primeiro leão mecânico por parte do Rei Luís XII - cujo esboço, certamente, seria aproveitado por Leonardo no desenvolvimento do segundo e terceiro leões. E seria esta versão de Taddei a mais fidedigna já feita sobre o segundo leão de Da Vinci cuja base estrutural foi, sobretudo, o conjunto de esquemas, esboços e textos originais do “Codex Madrid” – o caderno particular de anotações deste. Ao longo dos experimentos, e sem o pleno amparo das informações no “Codex”, entretanto, o time de Taddei também se viu forçado a algumas decisões independentes, como a de prever a caminhada da criatura através da análise dos “proto-robôs” árabes que enchiam as ruas de Veneza, além do estudo sobre um modelo mecânico de relojoaria do início do século XVI. Afinal, Leonardo estava muito familiarizado com todo este universo tecnológico e é altamente razoável que buscasse em tais recursos uma estrutura de trabalho possível para suas ideias.
Conclui Átila Soares: “Em sendo, mesmo, algo intencional da parte de Da Vinci, tal prática de ocultar referências em suas criações também é um fato já bem considerado no
meio acadêmico, sobretudo pelas palavras do próprio artista no ‘Tratado da Pintura' (1632). Dizia ele: ‘Não desprezes esta minha opinião, na qual te é lembrado que não te seja penoso por vezes parar e ver nas manchas das paredes, ou nas cinzas do fogo, ou nas nuvens, ou na lama, ou em outros lugares semelhantes, nos quais, se forem bem considerados por ti, encontrarás invenções admiráveis, que despertam a criatividade do pintor para novas invenções, como composições de batalhas, de animais e de homens, como várias composições de países e de coisas monstruosas, como de diabos e coisas semelhantes, pois serão motivo de honra para ti; pois em coisas confusas a mente desperta para novas invenções.’” Para Leonardo, certamente, tudo valeria como um exercício de percepções ou de raciocínio para tornar qualquer pintura mais rica e interessante. Ou seja, nada mais leonardiano como o que aqui também se sugere".
Agradecimentos a Valéria Vicentini
Prof. Átila Soares da Costa Filho é bacharel em Desenho Industrial (PUC-RIO) e pós-graduado em Arte e Tecnologia, História da Arte, Arquitetura, Arqueologia e Patrimônio, História da América, Filosofia e Sociologia, Paleontologia e Cultura, História e Antropologia. É membro do Conselho Científico na Mona Lisa Foundation (Zurique), na Fondazione Leonardo da Vinci (Milão), no projeto L'Invisibile nell'Arte c/o Comitê Nacional para a Valorização do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Roma), no Centro Studi Leonardeschi (Varese, Itália) e na revista internacional técnico-histórica, Conservation Science in Cultural Heritage, publicada pelo Departamento do Patrimônio Cultural da Universidade de Bolonha (campus de Ravenna).
O segundo “leão autômato” de Leonardo em projeto de reconstituição chefiado por Mario Taddei.
(IMAGEM: The Great Canadian Model Builders Web Page)Escreva sua legenda aqui
A grande similaridade entre o leão mecânico de Leonardo e a cabeça leonina à esquerda da “Gioconda”:
tal compatibilidade poderia sugerir também uma assinatura para seu próprio nome?
(IMAGENS: WikiCommons / The Great Canadian Model Builders Web Page – em espelho)